Dei resultado, fui demitida e esqueceram de mim. O problema dos controles históricos.

1) Dei resultado…

Laura foi contratada para fazer auditoria numa empresa de planos de saúde. Empolgada com o desafio contava ainda com o apoio do conselho que acenava com a possibilidade de crescimento na empresa com o bom desempenho. Trabalhava 12 h por dia. Estruturou uma equipe motivada. Não tardaram a vir os resultados já no primeiro ano. Resultados estes que provocaram mudanças profundas na hierarquia da empresa, liderada pelo conselho.

2) Fui demitida…

As mudanças no organograma deveriam atender a necessidade eminente. Escolheram o diretor de um dos hospitais outrora sob auditoria para execução da tarefa de diretor presidente. Laura, por ser jovem e ainda ter pouco tempo na empresa, ficou subordinada a uma antiga gerente que passou a responder ao diretor presidente. O conselho decidiu pelo próprio isolamento e delegou a maioria de suas atribuições, como preferiam dizer… Foi como colocar um bom policial na mesma cela que seu outrora, refém. Laura não durou mais 1 ano, depois de subordinada a quatro chefias diferentes, foi demitida.

3) Esqueceram de mim…

Não fosse o mal estar e transtorno na vida de Laura, pois estas demissões costumam cursar com “outputs” paranóides de menos valia subentrantes, ela ainda alimentava a esperança que um dia iriam valorizar seu trabalho.

Assumiu um substituto. Uma figura apática, sem a costumeira liderança da auditora anterior. Um ano se passou e foram averiguar os resultados do novo estilo na administração. Surpresa geral entre os funcionários subalternos que simpatizavam com a Dra Laura. Os resultados não mudaram, não foram ruins… Com a vantagem “marketiada” pelo sucessor que a estrutura foi enxugada, logo fazendo mais por menos… Um verdadeiro milagre! E o brasileiro, como bom cristão que é, está sempre flertando com um…

Partindo do pressuposto que não houve corrupção dos dados advogo que existem problemas básicos muito freqüentes na avaliação do trabalho nas empresas:

a)      Não definição prévia ou pobre definição dos objetivos como: baixar os custos com internações. Que tipo de internação ou que tipo de custo?

b)      Baixo controle de variáveis basais fundamentais na avaliação do confundi mento dos resultados, são elas: idade, sexo, intervenções concomitantes, gravidade, tipo de plano médico, renda familiar…

c)      Análise da intervenção/ equipe como desfecho/ resultado – observado na arrogante declaração de que fizeram mais gastando menos. O menor gasto com a equipe seria um resultado melhor? Não. Estão falando da intervenção! E quanto aos custos da internação?

d)      Utilização do desfecho – custo da internação – como uma medida de impacto setorial. Este desfecho só pode ser analisado na empresa como um todo, o que implicaria no controle de muitas outras variáveis preditoras, capazes de influenciar neste resultado.

e)      E finalmente a utilização de controles históricos, os resultados da Dra Laura, na comparação com a nova administração ou intervenção.

Controle é o conteúdo da análise que recebe a não intervenção ou a intervenção antiga, referência para comparação com a nova. Análises sem controles tem um grande potencial para resultados distorcidos, especialmente em mãos de pessoas que realizam mudanças que acreditam ser benéficas ou desejam comprovar sua competência em detrimento da dos demais. O controle deve diferenciar apenas quanto à intervenção. Eis aí o grande problema com relação ao estabelecimento de controles históricos, aqueles ocorridos anteriormente. Há duas áreas de grande incompatibilidade com relação a este desenho de análise, meio e sujeitos, dentre outras:

a)      Comparação em ambientes – locais diferentes – inviabiliza a análise. Pela diversidade, complexidade e distinção observada.

b)      Não há normalmente um critério seguro na inclusão dos sujeitos em controles históricos, logo não se sabe ao certo em cima de que tipo de paciente aquele resultado, da Dra Laura foi obtido. Os pacientes submetidos às duas intervenções podem ser muito diferentes com relação a vários aspectos.

c)      Fatores prognósticos, outras variáveis, só podem ser ajustados na seleção dos grupos controle e não controle. E com controles históricos este momento já passou.

d)     A qualidade de registros é normalmente muito ruim, faltando dados e com dados sujeitos a interpretações diferentes. Redução de custo médio, custo hospitalar ou média de permanência das internações?

e)      O número de desfechos em controles históricos é normalmente bem menor o que pode enviesar o resultado em favor da nova intervenção.

f)       A exclusão de sujeitos na nova intervenção é normalmente maior, selecionando um grupo mais susceptível a intervenção apresentando com isso respostas melhores.

g)      Há uma tendência de melhora com relação ao tempo, por uma série de pequenos ajustes nos processos, logo conquistas anteriores podem contaminar resultados futuros.

h)      Métodos estatísticos não corrigem desenhos ruins!

Com isso o resultado tende sempre a exagerar o valor da nova intervenção para melhor! Confundindo mais que clareando problemas, devendo ser evitado.

É claro que a incompetência reinou, Laura foi esquecida…

Dezesseis anos se passaram… Laura construiu seu próprio negócio e com ele pode levar uma vida confortável…

Quanto à empresa de plano de saúde… Bem esta depois de trocar de presidente quinze vezes nos últimos dezesseis anos, foi vendida para sua principal concorrente, depois de perder 2/3 de seu valor na bolsa de valores.

Laura continuou esquecida.

8 thoughts on “Dei resultado, fui demitida e esqueceram de mim. O problema dos controles históricos.

  1. Aconteceu comigo recentemente, uns 2 meses atras.
    Analisando a situação, depois do tempo de “resfriamento” conclui que:
    *O desempenho requerido pelo empregador, através do gestor, é sempre requerido numa taxa de incremento impossível, ou seja, fazer a mesma coisa SEMPRE na metade do tempo ou pela metade do custo anterior. Levando-se em conta que isto é impossível, fica “padronizado” valores 25% abaixo do anterior;
    *O fator experiência conta pouco, pois tudo se resume em CUSTO da sua mão de obra. Com o acúmulo de reajustes salariais anuais esta conta tende a ficar pior p/ o trabalhador após 8 anos no mesmo emprego;
    *Enquanto há equilíbrio entre seu desempenho e o valor pago por ele você continuará empregado, mesmo sem entrar em “modas corporativas” (especializações, MBX’s, ondas de treinamentos, etc.);
    *Se você é convidado a “participar” do grupo dos “colegas eleitos pelo gestor”, seja pelo seu desempenho ou por ser puxa saco mesmo, há duas possibilidades.
    1-se aceitar – pode ser que ganhe uma “blindagem” nos tempos de crise ou durante reformulações internas. Mas daí você pode ser “convidado” (quase 100% de chance disto acontecer) a abdicar de seus valores em detrimento dos “valores do gestor”, e estes geralmente são de caráter ético duvidoso.
    2-se recusar – deverá dizer o por quê da recusa, e isto pode incomodar o gestor (100% de chance disto), e entrará na lista dos “acomodados”. Aí é só esperar a sua demissão, ao menos até encontrarem outra pessoa que fça sua serviço por um custo menor.

    Por mim fico com meus valores, mesmo que tentem justificar minha demissão como sendo de culpa exclusivamente minha, por não ter um “comportamento esperado pela empresa”.

    Abraço a todos.

    Posted by Alexandre Perussi

  2. Pela minha vivencia profissional e tambem pelo que tenho presenciado no dia a dia das empresas, pode ser um velho fundamento na relação de poder que se chama “confiança”. Em muitas situações apresentamos resultados, deixamos o sistema rodar legal, formamos as pessoas mas no final das contas as lideranças querem por perto pessoas que eles se sintam confortáveis, confiantes e que não causem qualquer tipo de ameaça. Enquanto formos úteis ficamos e depois que estiver tudo estruturado e organizados qualquer um pode tocar, na visão deles e aí eles colocam os mais amigos. Quando acontece um problema mais sério voltam a correr atrás dos bons profissionais novamente.

    Posted by Ricardo Pirino

  3. A evolução do trabalho de Laura é semelhante a o de muitos infelizmente. Alguém que tem perfil incisivo , questionador na sua atividade de auditoria e obtém os resultados dentro da norma técnica correta não tem apoio da gerencia por que sua ação contraria política de boa vizinhança com o poder instituido entre empresas.

    Publicado por Rosa Maria Adao

  4. E montei um departamento de Engenharia de Produto na Gates do Brasil, que não existia, treinei 2 engenheiros no exterior para o desenvolvimento do departamento, treinei outros 3 engenheiros e mis 2 técnicos, equipei o departamento, implementamos 57 tensionadores para o mercado de reposição, o que a empresa tentou por mais de 5 anos com escritórios especializados e não conseguiu…na reunião de liderança da empresa meu departamento foi considerado o melhor e o que mais deu resultados e depois de 2 anos e meio fui mandado embora , sendo que todos do meu departamento e da empresa ficaram pasmos e depois de 2 semanas colocaram um engenheiro meu no meu lugar que eu havia treinado no Canadá por 11 meses ganhando a metade do meu salário…..não fiz nada mas Deus é justo depois de 4 meses o departamento estava desmantelado, pois 4 engenheiros saíram inconformados pela minha demissão e por ter um garoto de 25 anos e sem experiência alguma como chefe..essa infelizmente é a vida cruel nas grandes corporações.

    Publicado por Reinaldo Brogi

  5. Profissional com prazo de validade. Já aconteceu comigo também. Isso é comum quando se tem conhecimento e experiência saindo pelo ladrão… Você resolve todos os problemas emergênciais da empresa e quando se torna pouco útil é sumária e inexplicavelmente desligado. Mas tenho em meu intimo uma frase que carrego a muito tempo: as empresas por onde passei faliram, foram absorvidas por outras, enfim: passaram. Mas eu não passei. Continuo firme e forte soltando conhecimento e experiência pelo ladrão; foi o patrimônio valioso que extrai dessas experiências. Sou persistente e determinado. Podem passar uma rasteira aqui ou ali, mas as minhas pernas ainda tem força para me levantar e prosseguir… É o Poder maior que me consola e motiva. Tenha fé!

    Publicado por Fernando Oliveira

  6. Eis aí uma pergunta que deve rondar a mente de muitos profissionais desligados de seus empregos justamente após resolverem um grave problema, ironicamente, para o qual foram contratados: Por que justamente agora, que seria a hora de me premiarem por ter resolvido aquela problema cronico e grave da empresa, sou demitido?

    Eu respondo com outra pergunta: “Se você tem uma conceituada empresa de móveis, por que manteria nos seus quadros permanentes um ultra-mega-super-exterminador de cupins?”

    Alguns perfis profissionais, extremamente necessários em alguns cenários críticos vividos por diversas empresas, por mais eficientes e eficazes que sejam, tornam-se um estorvo à rotina empresarial à medida que o problema para o qual foram contratados deixa de existir. Ainda que sua saída traga o problema de volta, a empresa ainda levará um tempo para perceber que o problema voltou – e um tempo maior ainda para chegar à conclusão que é necessário resolver aquele problema. Só então sairá à caça de um novo especialista em resolver problemas daquele tipo. Entre a demissão do primeiro especialista e a contratação do segundo podem se passar uns bons pares de anos, dependendo do negócio da empresa.

    Existem dois tipos de especialistas: os conscientes e os inconscientes.

    Os especialistas conscientes sabem que são necessários apenas durante a crise. Melhor: sabem que são desnecessários quando não há um problema a ser resolvido.

    O que fazem então? Organizam-se para prestar aquele conjunto de serviços durante o tempo que as empresas deles necessitam. Em geral, tornam-se consultores bem remunerados, permanecendo nas empresas apenas o tempo necessário para resolver o problema e recolher os louros da vitória. Constroem um bom nome e uma extensa rede de relacionamentos que em pouco tempo se encarrega de realizar o seu marketing boca-a-boca.

    Problema: Ter o próximo projeto engatilhado quando o projeto vigente estiver terminando. Isso torna a maioria deles em caçadores de oportunidades e uma outra parte deles se tornam alongadores de problemas, de forma a também alongar sua permanencia na empresa enquanto o novo cliente não chega. Isso nunca aconteceu na sua empresa, tenho (quase) certeza!

    Já os especialistas inconscientes não conhecem o tipo de poder que detêm nas próprias mãos. Sofrem muito com isso, pois frequentemente aceitam serem lançados em fogueiras nas quais ninguém em sã consciencia se lançaria, a menos que não preze a continuidade de sua carreira naquela empresa. Tomam para si desafios heróicos de enfrentar dragões corporativos escondidos em cavernas onde ninguém jamais ousou entrar. A torcida esfrega as mãos de ansiedade enquanto ele adentra pela escuridão, mas nada pode fazer para demove-lo da estultícia.

    À medida que vão resolvendo o problema, vão deixando atrás de si um rastro de destruição de feudos históricos e uma fieira de inimigos mortais por toda a vida. Finda a missão, postam-se de joelhos diante do rei, com as roupas em frangalhos e a armadura toda amassada, esperando pela condecoração – uma nomeação de “Sir”, quem sabe “Barão” ou “Conde”. Em geral, recebem uma pequena arca com víveres para uma semana e um cobertor que os proteja dos rigores do inverno lá fora, pois sua permanencia naquele reino tornou-se um risco à unidade do reino, senão à própria vida do herói.

    Em suma: esperam que o problema resolvido por eles resulte numa promoção, mas em vez disso são dispensados, muitas vezes após dolorosos processos de esvaziamento corporativo. Estavam ali pensando em fazer carreira, crescer, permanecer enfim, mas acabam sofrendo de um dos piores tipos de frustração profissional.

    Se voce se enquadra na categoria dos especialistas inconscientes, conscientize-se ou mude de função. OS casos de sobreviventes são raríssimos e não documentados.

    Abraços!

    Publicado por Robson Lelles

  7. Meu caso é um pouco diferente… Comecei um trabalho voluntário recém-formada da graduação para ter mais experiência prática. Continuei no projeto como pude, todas de forma que não precisassem me remunerar; desenvolvi tecnologias e outros projetos de agregação de valor. Fiquei quase 4 anos praticamente “pagando para trabalhar” (vivi de reembolso de despesas de combustível e alimentação). Quando recebi uma oportunidade de trabalho remunerado e avisei a coordenação do trabalho voluntário, fui encarada como “traidora” por trocar o voluntariado pelo remunerado. Gosto muito (ainda) do que fazia como voluntária, mas após quase 5 anos de formada, não tenho nenhuma fonte estável de renda, e também acredito que renovar os ares é importante para o desenvolvimento profissional. Eu li uma vez que não se pode dar o que não se tem, mas essa sensação de ser a “traidora” é muito frustrante e desconcertante.
    Só espero que os ventos que sopram agora sejam melhores. Alea jacta est! Abraços!

    Posted by Larissa Iwassaki

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