É fácil entendermos o que é saudade, difícil é lidarmos com ela… Temos saudade de nosso filho que foi tentar a vida fora de nosso país, de nossa esposa que foi visitar os parentes em outro estado, saudade até da capacidade física que já tivemos, das brincadeiras que tínhamos com nossos amigos e irmão ou mesmo dos beijos que roubamos. Temos também saudades de quem perdemos e não vai mais voltar e daqueles que ainda vivos e embora próximos, distantes daquele sentimento que nos unia…
MJC, 55 anos, solteira filha mais velha em família de quatro irmãos chegou à consulta médica com dificuldade de andar. Sua queixa me pareceu exagerada pois ao exame físico se encontrava em bom estado geral. Boa aparência, culta e sofisticada me chamou a atenção o fato de nunca ter constituído família uma vez que falava carinhosamente da sua. Dona de uns olhos azuis cintilantes referia já ter tido namorados, mas que deu sempre prioridade aos seus irmãos e mãe uma vez que tinha perdido seu pai em acidente aos 6 anos de idade.
A saudade sempre dói mas ela só se torna um problema de fato quando não conseguimos mais caminhar devido a essa dor. Difícil é para os médicos se posicionar quando não temos um diagnóstico a oferecer. Complicado também é quando sem um preparo psicológico essa pessoa compartilha seu sofrimento.
– A propósito Dona… Quando começou essa dificuldade para andar?
Um segundo de silêncio e a verdade veio à tona submersa em um rio de lágrimas… Quando minha mãe faleceu há 5 anos atrás…
A saudade que adoece é essa que não conseguimos superar, nos paralisa, nos isola e destrói nossos sentimentos mais generosos para com a vida. Culpava Deus, seus irmãos e o trabalho pela ausência de sua amada mãe. A depressão aparente tem várias faces: raiva, frieza e melancolia para citar algumas. Mas é atrás dessas manifestações que se esconde o verdadeiro mal…
MJC 55 anos durante muito tempo se acomodou ao colo daquela que a protegia, cumplice de seu poder junto aos seus irmãos e fiadora de sua afetividade. MJC decidiu não correr riscos “desnecessários” na vida. Desconfiada de casamentos, de propostas de trabalho que recebeu em outros lugares se manteve obediente aos valores e regras matriarcais esquecendo-se daquilo que seria o seu propósito, a sua vida e seus desafios.
Um dos grandes enigmas atuais da medicina são as doenças crônicas oriundas de hábitos mal gerenciados, aqueles cujo foco se localiza em um só lugar tornando-se vícios. É como gostar e desejar um só tipo de alimento e retirar toda sua energia de “fast food” esquecendo-se que também nos alimentamos de relacionamentos, da natureza e daquilo que construímos. Tirar MJC do buraco foi um trabalho da homeopatia, mas fazê-la caminhar só poderia com suas próprias pernas.