Setembro Amarelo e saúde mental

Amanda 19 anos chega ao consultório acompanhando sua mãe. Tatuada pelo corpo todo indaguei:

Menina! Parece uma revista em quadrinhos viva!… kkk
Ao iniciar a consulta da mãe percebi que a presença vigilante da filha não passava de um controle premeditado sobre o que a mãe iria dizer à consulta. Aproveitando-me de um momento em que a garota foi ao banheiro disse-me a mãe rapidamente.

O motivo dessa consulta é sobre essa guria. Passou no vestibular para cursar medicina no exterior e depois de 2 anos decidiu voltar desse jeito…
Apontando para as tatuagens, aproveitei o retorno da garota e perguntei:

Amanda não doeu pra fazer isso tudo?

Doe, mas é uma dor que me acalma…
E porque voltou?
Minha curiosidade foi maior que o tempo para a mãe.

Foi muito bullying e muita pressão era prova quase toda semana…
Cinquenta e cinco por cento da geração Z sofre de algum tipo de ansiedade. A ansiedade é o mal que a aceleração do tempo promove em nossas crianças que vem um mundo mudando com uma velocidade difícil de acompanhar.

Conta ai Amanda, curiosidade de médico, o curso é muito difícil?

Até que eu estava indo bem, mas tinha que fazer um tatoo por semana pelo menos para aguentar.

Mas no rosto a dor não é muito grande?

Sim, mas só quando estou precisando muito, tinha umas espinhas aqui que de tanto cutucar ficou marcado, tive que fazer uma tatuagem para esconder.

O que é precisar muito?
Nesse momento a consulta da mãe era secundária…

Ah… Quando estava chateada me sentindo muito sozinha.
A necessidade, o isolamento e a abdicação das funções com o retorno a casa dos pais sinalizavam para o transtorno de escoriação da pele que dificilmente melhorará com conselhos, que era o que seus pais faziam de pior.
A doença de escoriação ou “skin picking”, é causada por “cutucar” a pele de modo recorrente, gerando lesões de pele que causam dor e deficiência funcional. Essa doença é estimada em aproximadamente 1,4% a 5,4% da população, com maior prevalência em mulheres. Além disso, encontrou-se associação com ansiedade, depressão e abuso de substâncias tóxicas. Apesar da importância desta patologia, menos de metade dos pacientes procuram tratamento, apenas 53% recebem um diagnóstico correto e 57% não melhoram após tratamento.
Amanda teve a sabedoria de reconhecer seus limites e retornar para casa. Sua personalidade forte e o não uso de drogas sinalizavam um bom prognóstico. Após pedir para ela se retirar por alguns minutos para manter a privacidade da mãe ouvimos algo muito comum nesses pacientes:

Dr ela adora me fazer sentir culpada não da ouvido pra tudo que ela diz não.

Pode deixar, exclamei!
Após explicar a mãe que esse transtorno pode se realimentar com sentimento de culpa e que o ideal seria atendê-la, mas que só faria por vontade da mesma, sugeri de início uma terapia cognitivo comportamental que poderia fazê-la perceber esses gatilhos emocionais que a levavam a se machucar, representado aqui pelas tatuagens. Pedi que a menina retornasse:

E aí Dr ela tem salvação? Com alguma ironia…

Todos nós temos Amanda… Respondi.
Depois de uma pausa a garota voltou-se para mim e disse:

Gostei desse Doc mãe, acho que vou passar com ele também, nem receita ele deu pra você!

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