Maguy, 89 anos é assim chamada por suas amigas. Dona de um saco de medicamentos colecionado ao longo de várias consultas médicas, seu temor era terminar como sua mãe, que faleceu com Alzheimer. Minha missão era reduzir essa carga e dissuadi-la do medo.
Professora, fã de Julio Verne e contemporânea de Albert Einstein viajar no tempo sempre foi das maiores de suas ambições humanas.
Maguy apresenta falhas em suas lembranças e já não tem sonhos, todos eles realizados.
As lembranças representam o passado e as expectativas, o futuro, forjando uma linha que chamamos de tempo. A medicina, por sua vez, insiste em excluir do comum, através de diagnósticos, essas senhoras que finalmente conseguiram o que muitos desejam: zero racionalização e 100% percepção. Senhoras do tempo aprenderam a dobrar o universo com o estar e um sorriso.
De certo que familiares sentiam falta das suas brigas, mas naquele pote vazio já não cabia turbulências.
Dona Maguy, que costumava dormir até o meio-dia, acordou sem saber onde estava e, muito angustiada, assustou seus familiares. Albert diria em sua famosa equação que o tempo também corrompe o espaço, o que explicaria aquela confusão.
Maguy fazia “bibi”, como uma buzina, para passar com seu andador quando o cachorrinho da casa se postava à sua frente. Seu comportamento quase infantil irritava seus filhos que, com falas assertivas, tentavam adequá-la à sua antiga matriz. Julio, o Verne, de carona em sua máquina do tempo, talvez dissesse: à velocidade da luz, nos tornamos mais jovens.
Questionado pelo tempo, espaço e a luz, eu como um simples médico fiquei acuado e, sem resposta à razão, só me veio a percepção de que sentirei muita falta dela quando minha mãe partir… Mas o que me consola é que será em direção ao Albert e na companhia de Julio.